A sabedoria popular costuma nos alertar: com mãe não se
mexe! Relação de filho e mãe é delicada e exige respeito. Isso fica bem claro
na religiosidade popular, que cerca Maria de todos os títulos e venerações que
um coração de filho pode inspirar. Por isso, talvez o que mais provoque
desgosto, em relação aos irmãos protestantes, é o que os católicos percebem neles
como desvalorização de Maria. Mas, de fato, o que esses irmãos rejeitam não é a
mãe de Jesus, mulher louvada na Bíblia como “cheia de graça” , exemplo de
servidora que se entrega para que nela se realize a Palavra de Deus. Eles não
se afastam dela por indiferença, mas para manter uma identidade que os
distingue de nós. Embora haja divergências sobre a doutrina referente a Maria,
eles não têm realmente um problema com ela, o problema é conosco.
Um amigo
presbiteriano me contou um episódio que deixou isso bem claro. Sua comunidade
estava organizando um livro de hinos religiosos para as celebrações. Foram
sugeridos cantos que louvavam diversos personagens bíblicos: Moisés, Elias,
Isaías... Então meu amigo, de propósito para ver a reação do grupo, sugeriu: já
que vamos cantar canções sobre esses personagens bíblicos, não poderíamos
incluir um canto sobre Maria? Fez-se um silêncio embaraçoso. Ao fim, meio sem
jeito, um dos participantes observou: _Isso não dá! Assim a gente ia ficar
igual a eles... Esse “eles”, é claro, éramos nós, os católicos, com quem eles
não queriam se parecer. Comentando a fato, meu amigo observou: Maria ficou
ferida no meio da briga; quando nós pararmos de brigar e ficarmos amigos, os
evangélicos também vão poder expressar a admiração que ela merece.
Minha
experiência mostra que ele estava com a razão. Participei da coordenação de um
grupo ecumênico de estudo bíblico durante quatro anos. Os roteiros de estudo
eram preparados por mim e por um pastor luterano. Depois de muito tempo de
convívio, a confiança mútua e a amizade permitiam que se abordasse qualquer
assunto em que havia divergência entre as Igrejas porque ninguém tinha receio
de que outro estaria usando aquele tema para minar sua identidade. Foi também
dentro desse espírito que um dia minhas amigas da Igreja Luterana me chamaram
para fazer a pregação num culto em que o evangelho a ser meditado versava sobre
a anunciação e a visitação a Isabel. Antes de começar a falar fui apresentada à
comunidade com as palavras: “Esta é uma amiga católica que vai nos falar sobre
a mulher mais importante que a história do mundo já produziu: Maria, a mãe de
Jesus.” E tudo deu certo. Com garantia
de respeito mútuo, muitos caminhos se abrem.
Por outro
lado, também temos que reconhecer que a religiosidade popular muitas vezes
exagera na devoção mariana. O amor é tanto que às vezes ela é colocada numa
posição que não lhe cabe, como se fosse igual à Trindade, em vez de ser o
grande exemplo de servidora que deveria nos inspirar. Muita gente que acha
lindo coroar a imagem de Maria esquece que o grande recado que ela deixou para
nós na Bíblia é aquele das Bodas de Cana: Façam tudo que Ele vos disser. Também
em relação a outros santos, o povo lembra muito mais deles como intercessores
do que como exemplos de fé a serem seguidos. Há devotos de muitos santos que
não sabem nada sobre a vida dessa pessoa, só se interessam pelo tipo de favor
que podem conseguir através dela. Uma catequese que pusesse as devoções num
caminho melhor, ajudando a ver os santos como uma inspiração para vivermos
melhor a nossa fé, guardando a memória desses irmãos e irmãs como exemplos
venerados com carinho, estaria também facilitando nosso diálogo com os outros cristãos.
Therezinha Cruz
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