Para nós e para todos os outros cristãos, a Bíblia é um
alicerce fundamental. Nessa Palavra nos alimentamos, aprendemos a conhecer
Jesus, sua mensagem e sua oferta inestimável de salvação. Igrejas cristãs
diferentes podem interpretar, cada uma a seu modo, as mesmas passagens
bíblicas. Algumas divergências, mais
conhecidas, podem ser abordadas na catequese, sem intuito de dar argumentos
para briga mas como caminho de preparação para o diálogo, evitando “surpresas”
que podem desconcertar quem não se sentir preparado para esse tipo de conversa.
Mas, como a Bíblia é um patrimônio da humanidade, conhecida e
comentada até por muitos que não têm fé, temos que educar também para lidar com
outros problemas, situações em que o próprio texto bíblico é questionado. É
importante fazer isso evitando tanto um tipo de leitura fundamentalista como
uma análise fria e teórica do texto que não destaque a importância da mensagem.
Reconhecemos
que podem existir dificuldades na leitura da Palavra de Deus. È uma coleção
complexa de escritos nascidos em séculos diferentes e vindos de uma outra
cultura. Tem também uma característica especial em relação aos livros sagrados
de outras religiões: ela fala de Deus mas o apresenta dentro da história
concreta de um povo, vivida em épocas específicas. Foi sendo escrita ao longo
de muitos séculos e suas afirmações foram evoluindo conforme o povo ia
progredindo no seu jeito de perceber quem era mesmo o Deus que os chamara.
Retrata o que Deus quer comunicar mas mostra isso dentro de uma pedagogia que
se liga às necessidades progressivas do contexto em que cada parte do Escritura
nasceu.
Por tudo
isso, a Bíblia tem que ser compreendida no seu conjunto. Com pouco conhecimento
da maneira como cada texto nasceu, corre-se o risco de interpretar a Palavra de
um modo não adequado. Então, o livro que devia servir para unir os cristãos pode
se transformar em mais uma fonte de desencontro. Isso pode acontecer entre
comunidades eclesiais diferentes e dentro da mesma comunidade, quando pessoas
escolhem determinados textos para justificar seu ponto de vista, sem uma noção
mais ampla do conjunto da mensagem. Não se trata de um livro qualquer, é um
texto sagrado, visto com reverência; por isso, pessoas podem ficar até
ofendidas com um modo diferente de interpretar algum dado bíblico, achando que
está havendo desrespeito com a Palavra de Deus.
Isso
acontece com freqüência quando alguém se refere a alguma passagem bíblica e
diz: isso que está aqui não aconteceu de fato, é só poesia, linguagem
simbólica... Quem ouve acha que a pessoa está chamando a Bíblia de mentirosa e
sai indignada em defesa da sua fé. Quem quer explicar o valor simbólico,
poético, de certos relatos bíblicos precisa antes deixar muito bem claro que
não está denunciando uma mentira, está anunciando uma verdade mais profunda. Há
muitos séculos, Aristóteles já dizia: “A
poesia é algo mais filosófico e mais merecedor de séria atenção do que a
história porque, enquanto a poesia se ocupa de verdades eternas, a história
trata de fatos particulares.” Ou seja: a poesia é uma linguagem
transcendente, a única capaz de dar conta daquilo que vai além da história, que
faz parte da indescritível essência humana e divina. Quando dizemos, por
exemplo, que os onze primeiros capítulos do Gênesis são simbólicos e não
históricos, não estamos diminuindo o valor da mensagem , estamos ampliando. O que
ali se narra é o que acontece ainda hoje com todos nós: somos Adão e Eva quando
não sabemos conservar o paraíso que a terra devia ser, somos Caim quando não
sabemos ser irmãos, somos Noé quando Deus nos chama a construir espaços de
salvação diante das ameaças da vida, somos construtores de torres de Babel
quando nos desentendemos com os irmãos por causa de nossas vaidades.
Uma interpretação assim vai mais longe, mas precisa ser
feita com a reverência que o texto sagrado exige.
É
função importante da catequese apresentar uma interpretação bíblica atualizada,
ligada à vida, que destaque a mensagem mais do que os recursos e detalhes da
roupagem em que ela foi envolvida. Mas é bom também ajudar a perceber que, com
o mesmo texto, Deus pode estar comunicando a cada um aspectos diferentes da
mensagem mais ampla. Em qualquer caso, é preciso ter um bom conhecimento da
Escritura. Até para dialogar com quem pensa diferente é fundamental se sentir
seguro para que a conversa seja tranqüila, respeitosa e realmente construtiva.
Therezinha Cruz
Nenhum comentário:
Postar um comentário