01 – Moral – Introdução
Noção
O cristão não crê apenas, mas também vive.
Teologia Dogmática Teologia Moral
Mas Dogmática e Moral formam uma só ciência: a vida
do crente está em conformidade com o que crê, e as suas crenças encarnam-se na
vida.
Dado que o homem é social por natureza, a vida
moral não afecta só a vida pessoal do individuo, mas também a sua atitude na
convivência humana.
Fontes: Sagrada Escritura e Tradição.
A moral cristã é una moral revelada. Deus criou o
homem e a mulher: sabe o que é bom e mau para eles.
As acções são boas ou más não porque Deus o
determina, mas porque Deus as impõe ou proíbe por serem boas ou más para a
pessoa. As leis morais da Bíblia brotam da própria natureza humana: o mal
deteriora o ser humano, e por isso Deus o proíbe; o bem aperfeiçoa-o, e por
isso Deus o impõe.
Jesus inaugurou um modo novo de viver, de forma que
a imitação de Jesus é a essência da vida moral cristã.
O Magistério da Igreja garante que os ensinamentos
revelados não se adulterem com o tempo.
Dei Verbum, 10: “A Tradição, a Escritura e o
Magistério da Igreja, segundo o plano prudente de Deus, estão unidos e ligados,
de modo que nenhum pode subsistir sem os outros, e cada um segundo o seu
carácter, e sob a acção do único Espírito Santo, contribui eficazmente para a
salvação das almas”.
Não há dúvida que a teologia moral necessita de
outras ciências (direito, psicologia, medicina, etc.). Sobressai a
antropologia: importância da concepção que se tenha do homem.
Diferenças entre Ética filosófica e Moral cristã:
1 Método: a filosofia argumenta só a partir da
razão, enquanto que a teologia moral, utilizando também a razão, argumenta a
partir dos dados que lhe oferece a Revelação, especialmente a vida e o ensino
de Jesus.
2 Fim: a primeira propõe que o homem se aperfeiçoe
como pessoa e que seja feliz na sua existência terrena, enquanto que a segunda
persegue a perfeição sobrenatural (de um filho de Deus pela graça) e busca a
felicidade terrena e da vida eterna.
3 Para a Teologia, a “racionalidade” e a
“sociabilidade” em que se fundamenta a Ética filosófica têm a sua origem em que
o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, e o NT ensina que o baptizado
é filho de Deus (vida nova).
O cristão recebeu uma nova vida: é filho de Deus,
Cristo vive nele Jn 15, 4: o que me ama está em Mim e Eu nele”. Esta nova
riqueza de vida implica um novo modo de se comportar.
Veritatis splendor 19: “Seguir a Cristo é o fundamento
essencial e original da moral cristã… Não se trata somente de escutar um
ensinamento, de cumprir um mandamento, mas de algo muito mais radical: aderir à
própria pessoa de Jesus, compartilhar a sua vida e o seu destino”.
As acções do cristão levam-no a identificar-se com
Cristo. O cristão deve esforçar-se, com a ajuda da graça e a recepção dos
sacramentos, por alcançar a santidade, identificar-se com Cristo.
As acções do cristão levam-no a identificar-se com
Cristo. O cristão deve esforçar-se, com a ajuda da graça e a recepção dos
sacramentos, por alcançar a santidade, identificar-se com Cristo.
Melhoram o quinto mandamento (não só “não matar”,
mas também “não se irritar” nem “insultar” o próximo); o sexto (inclui os
pecados internos); o segundo (condena não só o perjúrio, mas também o juramento
sem necessidade); a lei do talião (manda-se devolver bem por mal). Suprime
também qualquer fronteira no amor ao próximo.
“Sede perfeitos como perfeito é o vosso Pai
celestial” (Mt 5, 48).
02 – Moral – Fundamento da Moralidade
Poderia haver uma ética não religiosa baseada numa
concepção racional da dignidade da pessoa humana. Mas é difícil fundamentar
valores universais válidos para todos os povos e que todos se sintam obrigados
a praticá-los, sem recorrer a Deus.
Pío XI não aceitou as tentativas de separar a moral
da religião (nazismo)
Pío XII: “Quando temerariamente se nega Deus, todo
o princípio de moralidade fica a oscilar e perece, a voz da natureza cala-se ou
pelo menos debilita-se paulatinamente” (Summi pontificatus 21).
João XXIII: “A base dos preceitos morais é Deus. Se
se nega a ideia de Deus, tais preceitos necessariamente se desintegram por
completo” (Mater et magistra 208).
O homem distingue-se dos outros animais porque
pensa, é social e deve viver eticamente. Sendo um ser inteligente e livre, deve
orientar os seus actos de modo racional, com pleno uso da sua inteligência e da
sua liberdade responsável.
Quando se considera que as normas morais estão
impostas por agentes externos (família, sociedade, Estado, Religião, etc.) e
tiram assim a liberdade, então ou se nega a ciência moral, ou se propõe uma
doutrina ética que faz depender o juízo moral das circunstâncias, do fim que se
tem ao actuar, das consequências que advêm da acção, dos costumes de cada
sociedade ou das valorações sociais de cada época histórica.
Existe uma íntima relação entre Ética e
Antropologia: a conduta que se proponha e exija ao homem depende do conceito
que se tenha dele.
→ Antropologia cristã:
1 “O homem reflecte no seu próprio ser a “imagem”
de Deus (criação). Tem de actuar em conformidade com esta dignidade.
2 Novidade da graça baptismal: faz-nos filhos de
Deus no Filho, participantes da natureza divina, identifica-nos com Cristo. Por
isso devemos actuar como Cristo actuou, seguir os seus passos.
Outras características da antropologia cristã:
a Unidade da pessoa: o homem é pessoa na unidade de
corpo e espírito. “A sua união constitui uma única natureza” (CCE 365).
b A natureza humana foi ferida pelo pecado
original.
“Ignorar que o homem possui uma natureza ferida,
inclinada para o mal, dá lugar a graves erros no domínio da educação, da
política, da acção social e dos costumes“ (CCE 407).
c O homem foi redimido e elevado à vida divina. A
adopção filial torna o homem “capaz de actuar rectamente e de praticar o bem.
(…) O discípulo alcança a perfeição da caridade, a santidade. A vida moral,
amadurecida na graça, culmina em vida eterna” (CCE 1709).
Noções mestras da Moral Fundamental
A liberdade: sem ela as acções não seriam ”morais”,
pois não se poderiam imputar à pessoa.
A consciência: ao modo como a razão elabora juízos
teóricos sobre se algo é verdadeiro ou errado, de modo semelhante, a
consciência emite “juízos práticos” acerca da bondade ou malícia de um acto.
A norma moral: o cristão deve orientar a sua
conduta em ordem a cumprir as normas morais que Deus ditou à humanidade (desde
o Decálogo até ao mandamento novo do amor).
A Moral tem que harmonizar
liberdade-consciência-norma.
Para julgar da bondade ou malícia dos actos humanos
há-de considerar-se, simultaneamente, um triplo critério:
1. O objecto da acção que se realiza ou se omite;
2. O fim que persegue o sujeito ao actuar;
3. As condições em que se leva a cabo a acção ou as
circunstâncias em que se encontra o sujeito.
O objecto, o fim e as circunstâncias constituem-se
em “fontes” da moralidade dos actos humanos.
“Em qualquer campo da vida pessoal, familiar,
social e política, a moral, que se baseia na verdade e que através dela se abre
à autêntica liberdade, oferece um serviço original insubstituível e de enorme
valor, não só para a pessoa e para o seu crescimento no bem, mas também para a
sociedade e seu verdadeiro desenvolvimento” (Veritatis splendor 101).
03 – Moral – Fim último
Deus criou o homem para a felicidade, mas pelo
pecado original tal fim ficou obscurecido. => “Se o homem pode esquecer
Deus, Deus não cessa de chamar todo o Homem a que O procure, para que encontre
a vida e a felicidade” (CCE 30).
Fim último sobrenatural do homem = orientar a vida
toda para Deus, participando da vida trinitária, no qual encontra a sua
verdadeira e máxima felicidade.
“O desejo de Deus está inscrito no coração do
homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus” (CCE 27).
Veritatis splendor 73: “A vida moral possui um
carácter ‘teleológico’essencial, porque consiste na ordenação deliberada dos
actos humanos a Deus, sumo bem e fim último do homem. Mas esta ordenação ao fim
último não é uma dimensão subjectivista que depende só da intenção. Aquela
pressupõe que tais actos sejam em si mesmos ordenáveis a este fim, enquanto
conformes ao autêntico bem moral do homem, tutelado pelos mandamentos”.
CCE 1723: “A bem-aventurança prometida coloca-nos
perante opções morais decisivas. Convida-nos a purificar o nosso coração dos
seus malvados instintos e a buscar o amor de Deus acima de tudo. Ensina-nos que
a verdadeira dita não reside nem na riqueza ou bem-estar, nem na glória humana
ou no poder, nem em nenhuma obra humana, por útil que seja, como as ciências,
as técnicas e as artes, nem em nenhuma criatura, mas só em Deus, fonte de todo
o bem e de todo o amor”.
Não exclui que o homem se proponha fins como o bem-estar,
as ciências, as artes, as técnicas, etc., mas que estes fins não possam ser nem
últimos nem absolutos.
Fim último de toda criatura: a glória de Deus.
O centro do universo não é o homem, Mas Deus. A
pessoa humana deve buscar em tudo a glória de Deus: deste modo aceita e
respeita a grandeza divina. A glória de Deus repercute também na glória humana
Mt 5, 16: “as vossas boas obras glorifiquem o vosso
Pai que está nos céus”.
Jo 15, 8: “meu Pai é glorificado se dais muito
fruto e sois meus discípulos”.
Deveres morais do homem com o seu Criador:
1 De modo positivo: render culto a Deus (virtude da
religião: actos fundamentais = adoração, acção de graças, desagravo e oração de
petição); culto máximo pela acção litúrgica (Cume = Eucaristia).
2 De modo negativo: a Moral contempla os pecados.
Entre os mais graves: ateísmo, agnosticismo, indiferença religiosa, blasfémia,
sacrilégio ou profanação das coisas sagradas, uso indevido do nome de Deus
(superstições), uso irregular do juramento, incumprimento dos votos livremente
assumidos.
O fim último sobrenatural:
A Só o baptizado pode aspirar a ele e consegue
alcançá-lo (também com baptismo de desejo): a graça divina eleva
sobrenaturalmente o homem.
B Supera as forças humanas: utilizar os meios
sobrenaturais (sacramentos e oração).
C Permite que o baptizado possa comunicar com Deus;
mais ainda, que participe da vida Trinitária.
O fim último deve exercer um influxo real no actuar
humano:
1 Serve de critério para medir a moralidade de cada
acto: serão acções moralmente boas aquelas que garantam a consecução do fim
último.
2 Ajuda a rejeitar todo o pecado, e o amor a Deus
com que se levam a cabo as obras em si boas engrandece-as.
3 Dá lugar a uma moral de altos valores éticos
porque se põe Deus como fim da existência.
4 Além de projectar para a vida um ideal mais
elevado, conta-se com a graça de Deus para o alcançar.
Alguns erros actuais sobre o fim último:
os que professam uma moral sem Deus
(existencialistas ateus);
os que reduzem o homem a pura biologia (a origem da
conduta moral situar-se-ia nos genes);
os que fazem derivar a moralidade dos costumes
sociais de cada época;
os que afirmam que o homem não tem em si mesmo uma
entidade que lhe permita realizar actos verdadeiramente responsáveis;
os que reduzem o homem a pura matéria (materialismo
dialéctico, defensores do acaso, etc.);
os que negam uma diferença essencial entre o homem
e o animal.
O fim último reduz-se então ao bem-estar pessoal,
ou no limite, a conseguir uma convivência pacífica no âmbito social.
04 – Moral – Liberdade humana
Veritatis splendor 33: “Paralelamente à exaltação
da liberdade, e paradoxalmente em contraste com ela, a cultura moderna põe
radicalmente em dúvida esta mesma liberdade”.
A liberdade humana é limitada, mas recusá-la é
negar a evidência.
AT: “Eu ponho diante de ti a vida e a morte, a
bênção e a maldição; elege a vida e viverás” (Dt 30, 19); “se tu queres guardar
os mandamentos e permanecer fiel está na tua mão” (Eccli 15, 12-13); “Deus fez
o homem ao principio e deixou-o entregue ao seu livre arbítrio (Eccli 15, 14);
elogiou o homem que “podendo pecar não pecou, fazer o mal não o fez” (Eccli 31,
10); etc.
Definições possíveis:
Liberdade é a capacidade que o homem tem de
auto-determinar-se;
Liberdade é a capacidade interior da pessoa,
mediante a qual a vontade pode optar entre querer ou não querer, determinar-se
por diferentes possibilidades ou decidir-se pelo seu contrário
1 Liberdade de necessidade: é a possibilidade de
actuar ou não actuar.
2 Liberdade de especificidade: é a capacidade de
decidir entre diversas opções.
Liberdade de contradição: é a que decide entre duas
coisas opostas.
Origens muito diversas da limitação da liberdade do
homem:
→ pela natureza do próprio ser (o homem não pode
voar)
→ pelas circunstâncias que afectam a sua própria
origem (falar português ou chinês depende do lugar de nascimento)
→ pela condição de ser homem ou mulher, menino,
adolescente ou ancião (nem todas as pessoas podem fazer o mesmo)
→ pelas condições de vida (exemplo: viver no
interior não permite ver o mar)
→ por não se poder invadir o âmbito em que se
exerce a liberdade do outro, que também é um ser livre
Tais limitações condicionam o exercício da
liberdade, mas não negam a sua existência. As limitações nem sempre diminuem a
liberdade, porquanto oferecem novas possibilidades de a exercer.
Liberdade e verdade, 1
A liberdade supõe que o sujeito é consciente da
bondade ou malícia do acto que pretende levar a cabo: só é livre o homem que
conhece a verdade. Mas além disso a liberdade não é “um absoluto, que seria a
fonte dos valores” (Veritatis splendor 32).
Veritatis splendor 35: “algumas tendências
culturais contemporâneas advogam determinadas orientações éticas que têm como
centro do seu pensamento um pretenso conflito entre a liberdade e a lei. São as
doutrinas que atribuem a cada indivíduo ou aos grupos sociais a faculdade de
decidir sobre o bem e o mal: a liberdade humana poderia ‘criar os valores’ e
gozaria de uma primazia sobre a verdade, até ao ponto que a mesma verdade seria
considerada uma criação da liberdade”.
Liberdade e verdade, 2
Veritatis splendor 35: “A Revelação ensina que o
poder de decidir sobre o bem e o mal não pertence ao homem, mas só a Deus. O
homem (…) possui uma liberdade muito ampla (…). Mas esta liberdade não é
ilimitada: o homem deve abster-se perante a ‘árvore da ciência do bem e do mal’,
por estar chamado a aceitar a lei moral que Deus lhe dá”.
Idem 84: “somente a liberdade que se submete à
Verdade conduz a pessoa humana ao seu verdadeiro bem”.
Liberdade e verdade, 3
Fides et ratio 90: “uma vez tirada a verdade ao
homem, é pura ilusão pretender fazê-lo livre. (…) Verdade e liberdade, ou estão
bem juntas ou juntas perecem miseravelmente”.
Veritatis splendor 34: “a liberdade depende
fundamentalmente da verdade. Dependência que foi expressada de maneira límpida
e auto- rizada pelas palavras de Cristo: ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos
fará livres’ (Jo 8, 32)”.
Liberdade e bem
Fazer o mal, não é próprio da liberdade, nem sequer
uma parte dela, mas tão só é sinal de que o homem é livre.
CCE 1733: “Na medida em que o homem faz mais o bem,
vai-se tornando também mais livre. Não há verdadeira liberdade senão ao serviço
do bem e da justiça. A eleição da desobediência e do mal é um abuso da
liberdade e conduz à escravidão do pecado”.
Se uma acção humana lesa a natureza do homem, este
deve racionalmente recusar levá-la a cabo.
CCE 1734: “A liberdade torna o homem responsável
dos seus actos na medida em que estes são voluntários. O progresso na virtude,
o conhecimento do bem e a ascese aumentam o domínio da vontade sobre os
próprios actos”.
Liberdade e graça, 1
Dada a condição do homem, ferido pelo pecado
original, o cristão necessita da graça de Deus para fazer uso sempre adequado
da liberdade. A graça facilita superar a ignorância e vencer as paixões, que
são os dois grandes obstáculos para actuar livremente, conforme o querer de
Deus.
CCE 1742: “A graça de Cristo não se opõe de modo
algum à nossa liberdade quando esta corresponde ao sentido da verdade e do bem
que Deus pôs no coração do homem”.
Liberdade e graça, 2
Mérito é a retribuição que se dá a quem realizou
uma boa obra.
CCE 2008: “O mérito do homem diante de Deus na vida
cristã provém de que Deus dispôs livremente associar o homem à obra da sua
graça. A acção paterna de Deus é primeira, pelo seu impulso, e o livre actuar
do homem é o que está em segundo lugar, na sua colaboração; de modo que os
méritos das boas obras devem atribuir-se à graça de Deus em primeiro lugar, e
depois ao fiel. Por outro lado, o mérito do homem recai também em Deus, pois as
suas boas acções procedem, em Cristo, das graças provenientes e dos auxílios do
Espírito Santo”.
Liberdade e graça, 3
CCE 2010: “Dado que a iniciativa na ordem da graça
pertence a Deus, ninguém pode merecer a graça primeira, que está na origem da
conversão, do perdão e da justificação. Sob a moção do Espírito Santo e da
caridade, podemos merecer depois para nós e para os outros, graças úteis para a
nossa santificação, para o crescimento da graça e da caridade, e para a obtenção
da vida eterna”.
Amigos de Deus 26: “A liberdade adquire o seu
autêntico sentido quando se exerce ao serviço da verdade que resgata, quando se
gasta em procurar o Amor infinito de Deus, que nos desata de todas as
servidões”.
“Quando alguém ama de verdade, desfruta de maior
liberdade” (Santo Agostinho).
05 – Moral – Actos humanos
Actos livres
A actividade moral é algo muito complexo. Concorrem
muitos factores, por exemplo: os dados genéticos que por herança aparecem; a
psicologia; a sensibilidade e as paixões; os hábitos que, a modo de segunda
natureza, jogam um papel importante na determinação da vontade; as
circunstâncias concretas da actuação; as ideias da época; a educação recebida;
a formação religiosa; a lucidez do conhecimento das acções realizadas; a
capacidade de decisão.
A vida moral há-de partir de quatro notas que
definem o ser humano:
A unidade essencial da pessoa: não há pecados do
corpo e pecados do espírito, é o indivíduo concreto o que peca ou faz o bem.
A condição histórica que é própria à pessoa: idade,
condição o indivíduo, formação recebida, biografia, valorações éticas da época.
A sociabilidade: influxo do ambiente cultural,
acção negativa das “estruturas de pecado”, etc.
A pessoa está radicalmente aberta à transcendência:
além disso, elevação sobrenatural do cristão pela graça.
Só Deus pode emitir um juízo veraz sobre a conduta
de alguém.
Actos humanos e actos do homem
Os actos humanos, próprios do homem, levam-se a cabo
com conhecimento e liberdade.
Veritatis splendor 71: “Os actos humanos são actos
morais, porque expressam e decidem a bondade ou malícia do mesmo homem que
realiza esses actos”. Quando estes actos são bons, tornam a pessoa boa; quando
são maus, fazem-na má.
“Actos do homem” são aqueles que se realizam sem
que medeie nem a advertência do entendimento nem a decisão da vontade.
Mesmo contando com bastantes limitações, o
indivíduo pode actuar como pessoa consciente e responsável => Veritatis
splendor 32-34.
O homem tem capacidade de possuir a verdade, e
conhece a existência de verdades universais, pelo que a inteligência pode
discernir o que é bom e o que é mau => crise actual sobre a verdade.
Não existe moral sem liberdade => alguns
“chegaram a pôr em dúvida ou inclusive a negar a própria realidade da liberdade
humana” => crise actual sobre a liberdade.
Um acto deixa de ser humano quando cessa de ser
consciente e voluntário
Defeitos de conhecimento, 1
A Ignorância: pode ser de facto, de direito,
vencível, invencível, crassa ou supina, afectada.
a vencível pode diminuir a voluntariedade de um
acto, mas há obrigação de pôr os meios para sair dela.
a invencível tira toda a culpabilidade.
as crassa e afectada não tiram culpabilidade: a
quem actua com esse tipo de ignorância imputam-se como pecado as acções más em
si mesmas.
Defeitos de conhecimento, 2
B Dúvida: pode ser positiva, negativa, de direito,
de facto.
Não é lícito actuar com consciência duvidosa
positiva acerca da licitude de uma lei, sem antes pôr os meios razoáveis para
sair da dúvida.
A dúvida negativa não deve ter-se em conta no
momento de actuar.
Na dúvida positiva e quando não é possível sair
dela, é lícito actuar quando se chega a um certo convencimento de rectidão,
deduzido de princípios ou razões extrínsecas.
Deficiências na liberdade, 1
A Concupiscência no sentido de paixão: é a
inclinação das paixões que buscam satisfazer o bem sensível. O seu papel na
valoração moral depende do consentimento da vontade (sentir não é consentir).
Pode ser antecedente, concomitante, seguinte.
A concupiscência antecedente e a concomitante podem
diminuir a liberdade de um acto determinado.
A seguinte não diminui a voluntariedade, mas fomentada
pode aumentar a voluntariedade.
Deficiências na liberdade, 2
B Violência: é a coacção que uma força exterior
pode exercer sobre a vontade. Pode ser absoluta (tira a liberdade ainda que a
ela se resista) ou relativa.
A absoluta tira a liberdade: então os actos não são
imputáveis ao sujeito.
A relativa só diminui a liberdade.
Em caso de violência absoluta ou relativa tem de
evitar-se o consentimento interno.
C Medo: pode ser externo ou interno.
Os dois tipos, na medida em que tirem a liberdade,
diminuem culpabilidade à acção.
Os actos motivados pelo medo, se não tiram a
liberdade, são imputáveis ao sujeito que os executa.
Acção de duplo efeito: caso em que de uma só acção
seguem dois efeitos, um bom e outro mau.
Para a executar é preciso que se dêem, ao mesmo
tempo, estas quatro condições:
1 que a acção seja boa ou pelo menos indiferente;
2 que o fim que se persegue seja alcançar o efeito
bom;
3 que o efeito primeiro e imediato que se segue
seja o bem e não o mal;
4 que exista causa proporcionalmente grave para
actuar.
O juízo moral das acções humanas deve-se emitir a
partir de três critérios que se hão-de pesar conjuntamente:
1 O objecto eleito: “é um bem para o qual tende
deliberadamente a vontade. É a matéria de um acto humano. (…) Especifica
moralmente o acto do querer, segundo a razão o reconheça e o julgue conforme ou
não com o bem verdadeiro” (CCE 1751).
2 O fim que se busca (intenção): tendo em conta o
fim, uma acção em si boa pode converter-se em má quando o sujeito se propõe um
fim mau (ex.: uma gratificação pode dar-se como esmola ou com a finalidade de
receber elogios ou para receber benefícios). Além disso hão-de ter-se em conta
os meios que se usam para obter o fim desejado: o fim não justifica os meios.
O juízo moral das acções humanas deve-se emitir a
partir de três critérios que se hão-de pesar conjuntamente:
3 As circunstâncias: “incluindo as consequências,
são os elementos secundários de um acto moral. Contribuem para agravar ou
diminuir a bondade ou a malícia moral dos actos humanos (por exemplo, a
quantidade de dinheiro roubado). Podem também atenuar ou aumentar a
responsabilidade do que age (como actuar por medo à morte). As circunstâncias não
podem, por si mesmas, modificar a qualidade moral dos actos; não podem fazer
boa nem justa uma acção que por si mesma é má” (CCE 1754).
a Objectivismo ético: faz depender só do objecto a
moralidade da acção => “A moralidade do acto humano depende sobretudo e
fundamentalmente do objecto eleito racionalmente pela vontade deliberada”. Mas
“para apreender o objecto que especifica moralmente um dado acto, há que vê-lo
na perspectiva da pessoa que actua” (Veritatis splendor 78).
b “A razão pela qual não basta a boa intenção, mas
é também necessária a recta eleição das obras, reside no facto de que o acto
humano depende do seu objecto, ou seja se este é ou não ordenável a Deus,
àquele que ‘só é bom’, e assim realiza a bondade da pessoa” (Idem).
Para as correntes éticas denominadas “teleológicas”
(telos = fim), a moralidade deriva do “fim” pelo qual se rege. Exemplos: o
consequencialismo, que obtém o juízo moral das consequências que se seguem de
um determinado acto; o proporcionalismo que julga se uma acção é boa ou má
segundo a proporção de bens ou males que se conseguem.
Para o “circunstanscialismo ético” ou “moral de
situação”, o bem e o mal morais dependem só das circunstâncias que concorrem no
acto. Nega “que possam existir actos intrinsecamente ilícitos,
independentemente das circunstâncias em que são realizados pelo sujeito”
(Reconciliatio et paenitentia 18).
06 – Moral – Consciência moral
CCE 1796: “A consciência moral é um juízo da razão
pelo qual a pessoa humana reconhece a qualidade moral de um acto concreto que
pensa fazer, está a fazer ou fez”.
Resumo de Gaudium et spes 16:
→ a consciência, sacrário do homem é o mais íntimo
da pessoa;
→ na consciência, Deus fala ao homem;
→ a consciência descobre ao crente o preceito
máximo do amor;
→ pela consciência os homens unem-se entre si na
busca da verdade;
→ a consciência recta é a segurança máxima para ser
fiéis na vida moral;
→ não perde a sua dignidade quando actua com
ignorância invencível;
→ degrada-se quando, conscientemente, comete o
pecado.
Variados tipos de consciência:
A relativamente ao momento em que se emite o juízo:
antecedente, concomitante, seguinte; bem relação à norma ou lei:
verdadeira, errónea (com ignorância vencível ou invencível);
c em relação ao assentimento do juízo: certa,
duvidosa (dúvida positiva ou negativa);
d relativamente ao modo habitual de emitir juízo:
delicada, escrupulosa, laxa;
e devido à responsabilidade com que se emite o
juízo: recta (ajusta-se ao ditame da razão), falsa (não se submete à própria
razão: homem imprudente e temerário).
Princípios morais, 1
1 É preciso actuar sempre com consciência
verdadeira.
2 Nunca é lícito actuar com consciência duvidosa
acerca da licitude de uma acção, se há fundado temor de errar. => medidas
oportunas para sair da dúvida.
3 A dúvida negativa não deve ter-se em conta no
momento de actuar (razão de pouco peso).
4 A consciência invencivelmente errónea, quando
permite algo que está proibido e o faz, não comete pecado.
Princípios morais, 2
5 A consciência que padece de erro invencível deve
ser obedecida no que manda ou proíbe, caso contrário actua contra a sua
consciência e peca.
6 É pecado actuar com consciência vencivelmente
errónea.
7 A consciência é livre, pelo que não deve ser
violentada por ninguém: O próprio Deus respeita a liberdade da pessoa humana.
Mas o homem não é livre para não formar a sua consciência: está obrigado a usar
os meios necessários para formar uma consciência recta.
Crise da consciência: Nietzsche = “a consciência é
uma terrível doença”; actualmente não falta quem atribua a origem da
consciência a preconceitos religiosos, o que, na teoria e na prática equivale a
negá-la. => A própria experiência pessoal dá fé da existência da consciência
em cada pessoa.
O AT refere-se várias vezes à consciência do homem.
No NT menciona-se 30 vezes: louva-se a boa consciência (1 Tim 1, 5); recorda-se
o respeito pela consciência própria e alheia (1 Cor 10, 25-29); contrapõe-se a
consciência dos pagãos e a dos cristãos (Rom 2, 15; 13, 5); recomenda-se
respeitar a consciência dos débeis (1 Cor 8, 7-13); etc..
Liberdade de consciência: a que pretende situar-se
à margem de qualquer norma, incluindo a lei de Deus, com o fim de fazer o que
mais apeteça. A consciência pessoal seria absoluta.
↨
Liberdade das consciências: diz respeito à
dignidade da consciência de cada pessoa, pelo que deve ser respeitada. Deve ser
garantida juridicamente, para estar protegida.
Consciência e verdade, 1
A função da consciência é emitir juízos práticos
acerca da bondade ou malícia de um acto: portanto está relacionada com a
verdade prática (conhecimento do bem e do mal moral objectivos).
Veritatis splendor 32: “Atribuiu-se à consciência
individual as prerrogativas de uma instância suprema do juízo moral, que decide
categórica e infalivelmente sobre o bem e o mal. Ao considerar-se que se deve
seguir a própria consciência acrescentou-se indevidamente a afirmação de que o
juízo moral é verdadeiro pelo próprio facto de que provém da consciência”.
Consciência e verdade, 2
Erro = falso conceito da verdade. Nega-se que
exista uma Verdade universal acerca do bem e do mal e afirma-se que os cria a
consciência em relação com cada um dos seus actos.
A consciência não cria a verdade, mas tão só goza
de uma capacidade inata para a descobrir. Por isso, logo que tem o uso da
razão, todo homem discerne, de modo mais ou menos claro, o bem e o mal. A
consciência é uma luz inextinguível que nos é dada pela própria natureza. Daqui
a necessidade de formar bem a própria consciência já que não é infalível nos
seus juízos e necessita conhecer a verdade.
CCE 1783: “Há que formar a consciência, e
esclarecer o Juízo moral. Uma consciência bem formada é recta e veraz. Formula
os seus juízos segundo a razão, conforme o bem verdadeiro querido pela
sabedoria do Criador. A educação da consciência é indispensável aos seres
humanos submetidos a influências negativas e tentados pelo pecado a preferir o
seu próprio juízo e a afastar-se dos ensinamentos válidos”.
CCE 1784: “A educação da consciência é uma tarefa
de toda a vida (…). A educação da consciência garante a liberdade e origina a
paz do coração”.
Meios para formar uma consciência recta:
a A aceitação dos ensinamentos da moral: estar
atento aos ensinamentos morais que oferece o Magistério da Igreja.
b O conhecimento da vida cristã.
c A reflexão: “é preciso que cada um preste atenção
a si mesmo para ouvir a voz da sua consciência. Esta exigência de interioridade
é tanto mais necessária quanto a vida leva com frequência a prescindir de
qualquer reflexão, exame ou interiorização” (CCE 1799).
d O exame pessoal: ajuda a que se adquiram
critérios firmes e estáveis sobre a moralidade da própria existência.
e O Sacramento da Penitência.
f A direcção espiritual.
g Exercício das virtudes cardeais e teologais.
A consciência moral pode sofrer deformações e
também corrupções.
“O desconhecimento de Cristo e do seu Evangelho, os
maus exemplos recebidos de outros, a servidão às paixões, a pretensão de
autonomia mal entendida da consciência, a não aceitação da autoridade da Igreja
e dos seus ensinamentos, a falta de conversão e de caridade podem conduzir a
desvios do juízo na conduta moral” (CCE 1792).
Decidir em consciência pode ser por vezes difícil.
CCE 1789: “Em todos os casos são aplicáveis algumas
regras:
Nunca está permitido fazer o mal para obter um bem.
A ‘regra de ouro’: ‘Tudo (…) o que queirais que vos
façam os homens,
fazei-o a eles também vós’ (Mt 7, 12).
A caridade deve actuar sempre com respeito pelo
próximo e pela sua consciência: ‘Pecando assim contra os vossos irmãos, ferindo
a sua consciência, pecais contra Cristo’ (1 Co 8, 12). ‘O bom é (…) não fazer
coisa que seja para teu irmão ocasião de queda, tropeço ou debilidade’ (Rm 14,
21)”.
07 – Moral – Lei Moral
Definição clássica: “Lei é a ordenação da razão ao
bem comum, promulgada por quem tem o cuidado da comunidade”.
Desta definição derivam as qualidades da lei:
1 Ordenação da razão: situa-se no “razoável” e não
depende da vontade do legislador.
2 Ordenação ao bem comum: quer dizer, situação que
possibilita a que o conjunto dos indivíduos, das famílias e de outras
instituições intermédias alcancem a devida perfeição.
3 Para ser norma que vincule, deve ser estabelecida
por quem tem autoridade para tal na comunidade.
4 Para ser norma que vincule, deve ser estabelecida
por quem tem autoridade para tal na comunidade.
Divisão da lei: – eterna
- divina: natural / divino-positiva
- humana: civil / eclesiástica
Lei eterna: é a mesma Sabedoria divina, enquanto
dirige todos os movimentos das criaturas.
A Providência (com a que Deus provê os meios para
que as criaturas alcancem o seu fim) inclui o plano de governo e a efectiva
execução deste plano.
A lei eterna não é senão o primeiro aspecto da
Providência.
Lei natural: é a participação da lei eterna na
criatura racional. É a lei própria do ser humano. Não é a lei física dos
minerais nem a lei biológica das plantas e dos animais, mas sim, uma lei
escrita por Deus na natureza do homem, que lhe permite conhecer o bem e o mal.
Veritatis splendor 43: “Deus provê aos homens de
maneira diversa à que provê aos outros seres que não são pessoas: ’não desde
fora’, mediante as leis imutáveis de natureza física, mas ‘desde dentro’,
mediante a razão que, conhecendo com a luz natural a lei eterna de Deus, é por
isto mesmo capaz de indicar ao homem a justa direcção da sua livre situação”.
A lei natural não é exclusiva da Teologia Moral: já
aparece noutras culturas: Exemplo: Cícero.
Cícero, De Republica, III, 22-23: “Certamente
existe uma lei verdadeira, de acordo com a natureza, conhecida de todos,
constante e sempre eterna… A esta lei não é lícito acrescentar nem tirar-lhe
algo, nem tão pouco eliminá-la por completo. Não podemos dissolvê-la por meio
do Senado ou do povo. Tão pouco há que buscar outro comentador ou intérprete
dela. Não existe uma lei em Roma, outra em Atenas, outra agora, outra no
futuro; mas uma mesma lei, eterna e imutável, que sujeita toda a humanidade em
todo o tempo (…). Quem não a guarda, atraiçoa-se a si mesmo e ultraja a
natureza humana, e por isso sofre penas máximas, ainda que julgue escapar dos
suplícios”.
A lei positiva é a que é promulgada por um
legislador concreto que goza de autoridade para legislar. Pode ser divina ou
humana, e a humana divide-se em eclesiástica e civil.
1 Lei divina positiva: tem Deus por autor. São os
Dez mandamentos no AT e o preceito do amor no NT.
2 Lei eclesiástica: tem por legislador a Hierarquia
da Igreja. É o caso de muitas leis que regulam o matrimónio e, no seu conjunto,
as leis do Código de Direito Canónico.
3 Lei eclesiástica: tem por legislador a Hierarquia
da Igreja. É o caso de muitas leis que regulam o matrimónio e, no seu conjunto,
as leis do Código de Direito Canónico.
As leis positivas devem ter em conta as exigências
da lei eterna e da lei natural. Em muitas ocasiões, tanto a lei divina como a
eclesiástica, são explicitações e aplicações da lei natural. Isto vale também
para a lei civil. Mas a convivência cidadã contém outro cúmulo de normativas
legais que não têm que ver directamente com a lei natural.
Lei nova
A “nova lei” consiste principalmente na graça do
Espírito Santo, que nos chega através de Cristo, e nos move a actuar segundo a
luz da fé que opera pela caridade. É um guia intrínseco e activo dos nossos
actos. Mas também é “lei externa” contida na Sagrada Escritura e na Tradição.
A “nova lei” confirma a lei natural e contém novos
ensinamentos e preceitos referentes à graça e à vida nova que instaura. É
própria e específica da moral cristã, dos que têm a nova vida em Cristo pelo
baptismo. Chama-se também “lei do Espírito” ou “lei do Evangelho”.
Princípios morais em relação às leis, 1
1 Todos os homens estão submetidos desde o seu
nascimento às exigências da lei natural. É objectiva, universal e imutável.
2 Na lei natural fundamentam-se os direitos e
deveres universais da pessoa, que devem ser respeitados e protegidos
juridicamente.
3 As normas que se deduzem da lei natural obrigam
em consciência.
4 Na lei natural distinguem-se princípios
“primários” (não assassinar) e “secundários” (o direito de propriedade). Os
“primários” não admitem excepções.
5 As exigências morais dos Dez Mandamentos obrigam
todos os homens, sejam ou não cristãos. Mas, enquanto “preceitos” vinculam só
os crentes no Deus que os promulgou.
Princípios morais em relação às leis, 2
6 A Hierarquia da Igreja pode dar normas universais
que vinculam a consciência de todos os crentes.
7 Todos e só os baptizados, a partir dos sete anos
e com o uso da razão, estão obrigados a cumprir as leis da Igreja, excepto para
aquelas que exijam outra idade determinada.
8 Os actos puramente internos só podem estar
submetidos à autoridade da Igreja.
9 As leis civis justas obrigam em consciência todos
os súbditos.
10 Podem ser objecto de lei civil as acções
externas, e somente aquelas que, por execução ou omissão, contribuem ao bem
comum.
Liberdade e lei
Liberdade e lei não se opõem, mas ambas se requerem
mutuamente. A lei é uma ajuda necessária para que o sujeito conheça o que há-de
fazer e se afiance no bem que lhe indica a norma.
A lei moral não significa uma limitação da
liberdade, mas antes, indica ao sujeito o caminho que há-de seguir para fazer
uso inteligente e lúcido dela. Do mesmo modo que as normas de circulação não
coarctam a vontade do condutor, a lei divina não só não limita a liberdade do
homem, mas guia-o para que possa orientar a sua existência por uma rota que o
leve à salvação.
Consciência e lei
A consciência não cria as categorias do bem e do
mal, mas só as constata: descobre na norma o que é bom ou mau.
CCE 1800: “O ser humano deve obedecer sempre ao
juízo certo da sua consciência”. Pois é a lei que ajuda o homem a emitir esse
“juízo certo” sobre o que há-de fazer ou deve omitir, se quer ter uma conduta
digna da pessoa humana.
08 – Moral – Virtudes
No Baptismo comunica-se uma nova vida: o cristão
“participa da vida divina” (2 P 1,4) e pode dizer: “Já não sou eu que vivo, mas
é Cristo que vive e mim” (Gal 2, 20). Para nos identificarmos com Cristo é
necessário a acção do Espírito Santo. Esta identificação abarca todo o ser
espiritual: razão, vontade, vida afectiva.
“À acção do Espírito Santo o cristão deve responder
com uma luta ascética continuada: esta cooperação do homem com o Espírito Santo
há–de ser habitual: criar hábitos no sujeito, que se chamam virtudes: a virtude
é um hábito que facilita ao homem poder actuar bem.
Duas definições entre outras:
A virtude é uma disposição habitual e firme para
fazer o bem.
A virtude é um hábito operativo bom.
O hábito operativo distingue-se do entitativo.
A virtude distingue-se também do vício (hábito
operativo mau).
Importância da virtude:
1 supõe no sujeito uma disposição consciente e
querida para praticar o bem;
2 é semelhante a uma “segunda natureza”: o homem
tem mais facilidade para fazer o bem;
3 facilita o exercício da liberdade;
4 impede que a pessoa se deixe levar pela
espontaneidade, que por vezes a faz actuar como os animais;
5 ajuda a pessoa a adquirir a perfeição que lhe
corresponde;
6 no virtuoso o pecado tem muito de fraqueza (não
de malícia como no vicioso).
O CCE dá uma divisão tripartida das virtudes: as
humanas em general, as cardeais e as teologais.
I As virtudes humanas são atitudes firmes,
disposições estáveis, perfeições habituais do entendimento e da vontade que
regulam os nossos actos, ordenam as nossas paixões e guiam a nossa conduta
segundo a razão e a fé. Proporcionam facilidade, domínio e gozo para levar uma
vida moralmente boa.
O homem virtuoso é o que pratica livremente o bem”
(CCE 1804). Essas virtudes são adquiridas.
São Josemaria: “compõem o fundamento das
sobrenaturais”.
II As virtudes cardeais aparecem enumeradas em Sab
8, 7: temperança, prudência, justiça e fortaleza. Chamam-se cardeais porque são
como o “cardo” “gonzo” ou eixo sobre o qual assenta o actuar moral.
1 Prudência: “auriga virtutum” porque indica às
outras virtudes a regra e a medida em que devem praticar-se.
=> CCE 1806: “A prudência é a virtude que dispõe
a razão prática para discernir em qualquer circunstância o nosso verdadeiro bem
e a escolher os meios rectos para o levar a cabo”.
=> facilita ao sujeito a aplicação aos actos
concretos dos princípios morais que hão-de reger a sua conduta.
2 Justiça: é a constante e firme vontade de dar a
cada um o que é seu.
referida a Deus denomina-se “virtude da religião”,
que não cumpre propriamente uma das características essenciais da justiça, a
saber a equidade, porque a criatura não pode devolver a Deus o que d’Ele
recebeu.
referida aos homens contempla as relações dos
homens na convivência, em ordem a alcançar o bem comum.
=> AT: mais de 800 textos exortando a praticar a
justiça e condenando os pecados de injustiça .
=> NT: o homem recto identifica-se com o justo
(São José, Zacarias, Simeão, Cornélio…). Messias e justo são sinónimos. Também
exortações a praticar a justiça.
3 Fortaleza: é a virtude moral que, no meio das
dificuldades, assegura a firmeza e a constância na busca do bem. => É uma
virtude em si mesma, mas além disso possibilita o exercício das outras virtudes
(a prática virtuosa é tarefa árdua e custosa). => Não existe vida moral sem
fortaleza.
4 Temperança: “modera a atracção dos prazeres e
procura o equilíbrio no uso dos bens criados” (CCE 1809). A pessoa há-de ter um
domínio das tendências que a inclinam ao pecado.
5 1 As virtudes morais estão unidas entre si: se
uma cresce, também acontece o mesmo às outras; se uma falta, nenhuma outra é
perfeita.
5 2 Costuma-se dizer que “a virtude está no meio”.
Mas “é um equívoco pensar que as expressões ‘termo médio’ ou ‘justo meio’, como
algo característico das virtudes morais, significam mediocridade: algo assim
como metade do que é possível realizar. Esse meio entre o excesso e o defeito é
um cume, um ponto alto: o melhor que a prudência indica. Por outro lado, para
as virtudes teologais não se admitem meios termos: não se pode crer, esperar ou
amar demasiado” (Amigos de Deus 83).
III As virtudes teologais têm relação directa com
Deus. São específicas da moral cristã. Não são fruto do esforço humano, mas são
virtudes infusas. O seu fundamento é a “participação na natureza divina” (2 P
1, 4).
1 Fé: virtude teologal pela qual cremos em Deus e
nas verdades que Ele revelou, segundo os ensinamentos da Igreja.
Há-de ser guardada (não a pôr em perigo), aumentada
(pela oração e os Sacramentos), defendida (estar atento aos erros) e estendida
(propagá-la entre quem desconhece a mensagem cristã).
2 Esperança: garante ao cristão a certeza da
salvação eterna e concede-lhe a fortaleza para se manter seguro no meio das
dificuldades para a alcançar. O cristão confia, não apoiado nas suas forças,
mas fiado na ajuda de Deus que não há-de faltar, no poder de Deus e no seu amor
ilimitado pelo homem.
.
3 Caridade: virtude teologal pela qual se ama Deus
sobre todas as coisas e aos homens por amor a Ele. O coração humano não é capaz
de produzir tal amor, que é antes uma pura doação gratuita de Deus. O amor a
Deus é a fonte e a raiz do amor ao próximo, e este é o sinal de que o amor a
Deus é verdadeiro. => “Nisso está o amor, não em que nós tenhamos amado a
Deus, mas em que Ele nos amou primeiro” (1 Jo 4, 7-10)
09 – Moral – Pecado
A história da humanidade é a história do amor de
Deus ao homem. Criado à imagem e semelhança de Deus, o homem rebelou-se contra
Ele. Mas “tanto amou Deus o mundo que lhe entregou o seu Filho Unigénito” (Jo
3, 16). Jesus vem buscar os pecadores: Deus faz-se homem para salvar o homem e
o fazer participar da sua vida trinitária. Cada um vale todo o sangue de
Cristo. Por isso não se pode tirar importância ao pecado.
Algumas causas da perda do sentido do pecado, 1
O relativismo cultural e ético.
Certos sectores da psicologia actual negam a
realidade do pecado para não traumatizar a consciência. Para um cristão “tudo o
pecado”, longe de traumatizar, tem a saída do perdão de seu Pai Deus que o ama.
A confusão entre moralidade e legalidade: seria
moralmente permitido tudo aquilo que não é castigado pela lei.
O secularismo: obscurece-se o sentido de Deus, e
portanto o do pecado.
Algumas causas da perda do sentido do pecado, 2
e Fenómenos internos da vida eclesial: “Alguns…
tendem a substituir atitudes exageradas do passado com outros exageros; passam
de ver pecado em tudo a não vê-lo em nenhuma parte; passam de acentuar
demasiado o temor das penas eternas a pregar um amor de Deus que excluiria
qualquer pena merecida pelo pecado; passam da severidade no esforço por
corrigir as consciências erróneas a um suposto respeito pela consciência que
suprime o dever de dizer a verdade” (Reconciliatio et paenitentia 18).
Duas definições:
1 Pecado é o afastamento de Deus e a conversão às
criaturas.
2 Pecado é uma ofensa a Deus, porque não se cumpre
a sua vontade.
Efeitos:
1 CCE 1871: “O pecado é uma ofensa a Deus. Eleva-se
contra Deus numa desobediência contrária à obediência de Cristo”.
CCE 1872: “O pecado é um acto contrário à razão.
Lesa a natureza do homem e atenta contra a solidariedade humana”.
Divisão:
Por razão da pessoa ofendida: contra Deus, contra o
próximo, contra si mesmo, contra a convivência social.
Em relação ao estado da consciência: actual,
habitual, material, formal, interno, externo.
Por razão da gravidade: mortal, venial.
Por razão do autor: original, pessoal, social.
Por razão do modo: de comissão, de omissão.
Por razão da atenção: deliberado, semi-deliberado.
Por razão da causa: de ignorância, de fragilidade,
de malícia.
Por razão da sua especial gravidade e desordem:
capital, que clama ao céu, contra o Espírito Santo.
Valoração dos pecados, 1
1 Condições para que exista pecado mortal: matéria
grave, advertência plena, consentimento perfeito.
2 Distinguem-se gravidades entre os pecados
mortais: ex toto genere suo, ex genero suo.
3 Para que se cometa pecado venial requer-se o
seguinte: matéria leve, certa advertência e algum consentimento.
4 Um pecado leve pode dar lugar a um pecado grave:
pelo fim, por desprezo da lei que só obriga levemente, por escândalo, por ser
ocasião de pecado grave, por acumulação de matéria.
5 Um pecado grave segundo a matéria pode ser
subjectivamente leve: ou por imperfeição do acto ou por parvidade de matéria.
Valoração dos pecados, 2
6 Para especificar os pecados é preciso ter em
vista a distinção segundo a espécie e segundo o número:
a. Distinção específica:
- um só acto pode constituir diversos pecados,
porque falta contra virtudes diversas ou quebra vários preceitos simultaneamente;
- por razão do objecto há vários pecados quantas
vezes se decide a execução do mesmo acto;
b. distinção numérica (numero concreto de actos):
- para serem vários pecados devem tratar-se de
actos humanos diferentes (certo espaço de tempo entre estes pecados);
- com um só acto podem-se cometer vários pecados
(vários mortos num atentado).
=>para a validade da confissão requer-se que se
confessem todos os pecados mortais segundo a espécie e segundo o número.
Princípios morais, 1
1 CCE 1873: “A raiz de todos os pecados está no
coração do homem. As suas espécies e a sua gravidade medem-se principalmente
pelo seu objecto”.
2 O pecado material não é propriamente pecado.
3 Os pecados internos costumam ter a mesma
gravidade e pertencer à mesma espécie que os externos.
4 Os pecados de omissão são da mesma espécie que os
de comissão e ordinariamente têm a mesma gravidade.
Princípios morais, 2
Pôr-se voluntariamente em ocasião próxima de pecar
gravemente sem causa grave proporcionada, é em si mesmo pecado.
Quando exista uma ocasião somente remota de pecar,
devem tomar-se as precauções devidas, mas pode actuar-se sem cometer qualquer
pecado.
O pecado habitual, originado de um vício contraído,
pode diminuir a gravidade de um acto singular. Mas há obrigação grave de lutar
por eliminar o mau hábito adquirido.
Às vezes, o pecado habitual implica uma gravidade
peculiar nos actos particulares por causa da malícia que lhe acrescenta a
atitude constante de menosprezo do acto pecaminoso.
Princípios morais, 3
9 Quando se trata de actos moralmente
interrompidos, cometem-se diversos pecados, dado que se trata de actos humanos
diferentes.
10 É pecado sentir tristeza deliberada de ter
deixado passar uma ocasião de pecado que se apresentou, sem a aproveitar.
11 Sentir não é consentir (paixões humanas).
12 O pecado reiterado na mesma matéria leva ao
vício.
13 As tentações em si mesmas não constituem pecado,
mas inclinam a ele.
Ajuda dos sacramentos e da oração.
10 – Moral – Conversão
CCE 1849: “O pecado é uma falta contra a razão, a
verdade, a consciência recta; é faltar ao amor verdadeiro para com Deus e para
com o próximo por causa de um apego perverso a certos bens. Fere a natureza do
homem e atenta contra a solidariedade humana. Foi definido como ‘uma palavra,
um acto ou um desejo contrários à lei eterna’ (Santo Agostinho)”.
CCE 1850: “O pecado é uma ofensa a Deus (…). O
pecado levanta-se contra o amor que Deus nos tem e afasta os nossos corações
d’Ele. Tal como o primeiro pecado, é uma desobediência, uma rebelião contra
Deus pelo desejo de se tornar ‘como deuses’ pretendendo conhecer e determinar o
bem e o mal (Gn 3, 5). O pecado é assim ‘amor de si mesmo até ao desprezo de
Deus’ (Santo Agostinho)”.
Algumas características da conversão no NT
Está dirigida aos pecadores, inclusive aos pagãos
(Lc 3, 13-14).
Abarca toda a pessoa e inclui a totalidade da
existência.
No AT usa-se o termo “shuh” = “mudança de sentido”,
no NT usa-se “metanóia” = “mudança de mentalidade”.
É livre: Deus não violenta a liberdade. Jesus faz
preceder os seus chamamentos pelo condicional: “Se quiseres…”.
CCE 1889: “A primeira obra da graça do Espírito
Santo é a conversão (…). Movido pela graça, o homem volta-se para Deus e afasta-se
do pecado, acolhendo assim o perdão e a justiça do alto”.
Na pregação de Jesus, a conversão forma uma unidade
dentro do plano total de salvação: redenção e salvação tornam-se possíveis
mutuamente.
1 A moral cristã é uma moral da graça, o que significa
a primazia da iniciativa divina sobre a acção humana.
2 As paixões são boas quando contribuem a fazer o
bem e más quando se empregam na execução do mal. As más reforçam o mal e as
boas potenciam o bem.
3 Para dominar as paixões (emoções ou impulsos da
sensibilidade), a pessoa deve exercitar-se numa vida ascética. Quando o homem
chega a dominá-las, é- -lhe mais fácil detectar o bem e o mal.
4 A vida moral não consiste em aniquilar as
paixões, mas em orientá-las rectamente.
A confissão sacramental é, por desígnio expresso
por Jesus, o caminho normal do perdão dos pecados para aqueles que crêem n’Ele.
A sua instituição encontra-se explicitamente no Evangelho (Jo 20, 22-23).
O poder de perdoar os pecados denomina-se “o poder
das chaves”.
Desde meados do século II consta (Pastor de Hermas)
que a penitência se administrava só uma vez na vida (fervor das primeiras
comunidades, contínuas perseguições). Por volta do século V começa a
administrar-se com maior frequência (mas dureza na penitência). A prática
actual data pelo menos do Concílio IV de Latrão (1215).
Disposições que há-de ter o pecador para obter o
perdão na confissão (actos do penitente):
1 Exame de consciência.
2 Dor dos pecados (contrição, atrição).
3 Propósito de emenda: não pactuar com o mal; estar
disposto a mudar de vida.
4 Confissão: individual, auricular e secreta, é o
modo ordinário de confessar–se na Igreja.
5 Satisfação ou penitência: oração ou outra boa
obra que impôs o confessor.
Curso de Teologia
Apresentações em PPT baseadas nos manuais da
“Biblioteca de Iniciación Teológica” da Editora Rialp. Os originais em
castelhano, na sua maior parte, foram realizados por D. Serge Nicoloff e podem
ser encontrados na página de AGEA. Os esquemas correspondem com bastante exactidão
ao conteúdo dos livros referidos acima. Em Portugal, aqueles manuais estão a
ser publicados pela Editora Diel.
Entre parêntesis indica-se a referência do manual
português em que está baseada cada uma das apresentações. Quando não existir
manual em português, indica-se o original castelhano.
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